O constante medo de retroceder 

Por @renatamarquesmaia

Há muitos anos, eu assistia a um programa de TV daqueles que ninguém assume, mas muita gente via. Era apresentado pelo então marido da Luciana Gimenez… Bem, eu não lembro o nome do programa e nem do apresentador, mas parecia muito com o Show do Milhão. O esquema era simples: um jogo de perguntas e respostas, em que cada acerto fazia o prêmio subir um pouco, mas um erro custava tudo. Assim, muitas vezes, o medo e a insegurança deixavam muitos paralisados, desistindo logo no início, contentes em garantir um prêmio modesto, mas certo.

E foi então que o programa introduziu o que chamavam de “nível de segurança”. Basicamente, a partir de uma certa quantia acumulada, aquele valor se tornava intocável, independente do que o participante respondesse depois. O prêmio mínimo estava garantido. E foi interessante ver a mudança no comportamento dos participantes depois dessa inovação. Sabendo que tinham algo assegurado, se permitiam ir mais longe, ousavam mais. Pareciam respirar aliviados, e, com esse alívio, vinham mais coragem e confiança para seguir adiante.

E por que me lembro desse detalhe de um programa que nem sei o nome? Porque, hoje, penso nos direitos das pessoas com deficiência e vejo uma semelhança perturbadora. Assim como no jogo, lutamos, passo a passo, para garantir cada pequeno avanço, cada conquista, com um esforço que parece interminável. Só que, ao contrário do programa, não temos um “nível de segurança”. Tudo o que conseguimos pode se desmanchar a qualquer momento, como se nunca tivesse sido conquistado. Não temos a garantia de que o mínimo será mantido; ao contrário, vivemos com o medo constante de que cada passo possa ser revertido. Cada avanço é uma vitória, sim, mas é também um lembrete de que estamos sempre sob o risco de retrocesso.

No programa, o prêmio, mesmo com cada acerto, nunca era realmente do participante até o final. Bastava um erro para tudo ir embora. Mas direitos não deveriam funcionar assim. Eles não são uma concessão e muito menos uma recompensa que precisa ser “merecida” – ou, ainda, um privilégio concedido por quem está no controle. Tratar direitos como algo que pode ser tirado no primeiro tropeço é inverter o que eles representam: garantias mínimas para que possamos viver em segurança, respeito e dignidade, todos nós, sem exceção.