Por Gabriela Camarotti – @gabrielacamarotti e @vilaaprendiz
Educadora e diretora do ensino fundamental na Escola Vila Aprendiz – gabriela.camarotti@icloud.com
Uso excessivo de celulares por crianças e adolescentes: um desafio para o desenvolvimento saudável
Em um mundo cada vez mais conectado, o uso de celulares por crianças e adolescentes tornou-se um dos principais temas de debate entre pais, educadores e especialistas. Com o crescente acesso à tecnologia e às redes sociais, muitos questionam qual é a idade ideal para dar um celular a uma criança, qual deve ser o tempo de uso permitido e como esses dispositivos impactam o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças e dos jovens.
Recentemente, a Lei nº 14.510/2023 passou a permitir que as escolas decidam se autorizam ou não o uso de celulares em sala de aula, gerando opiniões divergentes sobre o impacto dessa medida. No entanto, será que a proibição nas escolas é suficiente para controlar os “malefícios” do uso excessivo da tecnologia? A resposta, infelizmente, não é simples.
Jonathan Haidt, em seu livro Geração Ansiosa, alerta sobre os efeitos negativos da exposição precoce à tecnologia, especialmente às redes sociais, no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Ele argumenta que, desde os anos 2000, a expansão do acesso à Internet e a crescente conectividade global transformaram a vida das pessoas, trazendo tanto benefícios quanto prejuízos. Para Haidt, a infância é um período crucial para o aprendizado e o crescimento, e o brincar é fundamental nesse processo. “Brincar é o trabalho da infância”, afirma o autor, destacando que, por meio da brincadeira, as crianças desenvolvem habilidades sociais e emocionais essenciais para se tornarem adultos preparados para os desafios da vida.
Essas habilidades começam a ser construídas desde os primeiros passos. As crianças aprendem a se locomover, correr, pular e escalar, habilidades motoras que se tornam mais complexas à medida que amadurecem. Simultaneamente, elas começam a explorar o mundo social por meio de brincadeiras, interações com os colegas e diálogos.
Cada uma dessas experiências é crucial para o desenvolvimento de competências como a resolução de problemas, o entendimento dos próprios sentimentos, a empatia pelos outros, o aprendizado sobre a frustração e a superação de desafios. É por meio desse processo que a criança constrói a autoconfiança, o que, para Haidt, funciona como uma espécie de “vacina” contra a ansiedade.
No entanto, o uso excessivo de celulares e outros dispositivos digitais tem se mostrado um obstáculo ao desenvolvimento saudável. Michel Desmurget, em seu livro A Fábrica de Cretinos Digitais, destaca que o consumo recreativo de tecnologia entre crianças é alarmante! De acordo com suas pesquisas, crianças a partir dos 2 anos já passam, em média, quase 50 minutos diários diante de uma tela, e esse tempo aumenta significativamente com a idade. Entre os 13 e 18 anos, o tempo de exposição pode ultrapassar 7 horas diárias. Para ilustrar, no final de um ano, um aluno da pré-escola pode passar mais de 1.000 horas diante de telas, o equivalente a aproximadamente 1,4 mês de atividades diárias de tela.
Esse tempo excessivo de exposição aos dispositivos digitais é prejudicial tanto na infância, ao comprometer aspectos do desenvolvimento cognitivo e emocional, quanto na adolescência, quando as redes sociais e aplicativos de mensagens aumentam a pressão social. Isso pode contribuir para o surgimento de problemas como ansiedade, depressão e dificuldades de socialização. A cultura dos “likes” e seguidores faz com que muitos jovens se tornem dependentes da validação externa, com a autoestima atrelada ao número de curtidas ou comentários recebidos. Essa dependência pode gerar um comportamento compulsivo e dificultar a habilidade de lidar com críticas e frustrações, resultando em uma autoestima volúvel e frágil na vida adulta.
Diante desse cenário, fica claro que a simples proibição do uso de celulares nas escolas não é suficiente para proteger crianças e adolescentes. A solução exige um esforço conjunto de famílias, escolas e sociedade. As famílias desempenham um papel fundamental ao estabelecer limites claros quanto ao tempo de tela e ao conteúdo acessado, além de promover atividades ao ar livre, esportes, passeios em família e refeições sem o uso de dispositivos. Essas ações ajudam a reduzir o tempo dedicado à vida online e favorecem o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais.
Ao mesmo tempo, é essencial que as escolas se envolvam mais ativamente na educação sobre o uso consciente e saudável da tecnologia, que quando é usada de forma equilibrada e consciente pode ser uma poderosa aliada no desenvolvimento educacional. Pais, educadores e autoridades devem compreender a importância de monitorar o uso de dispositivos, estabelecendo regras claras e consistentes, para garantir que as crianças e os adolescentes adquiram as habilidades sociais e emocionais necessárias para enfrentar os desafios do mundo moderno.